quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Briga de rua - Autor: José Cláudio Cacá

A senha era um recado de alguém da turma:

- Fulano mandou dizer que vai te pegar lá fora.

O respeito pela inviolabilidade do lar, da escola e do local de trabalho era um combinado de ética. Não estava escrito mas agia como lei,  pois o respeito age. A gente ficava organizando torcida para a briga depois da aula.

 Lá fora, a turma do êh, êh, êh, êh, - atiçando. A turma do “deixa disso”, só depois que esquentava o agarra-agarra é que entrava para separar. Brigava-se por nada. Mas tinha-se uma ética da desavença. Arma, de espécie alguma. Tinha-se que ser em pé (ou mão) de igualdade. Havia outras modalidades de rivalidades: rua de baixo contra a rua de cima, bairro contra bairro, turma do bom da boca, turma do cara mau.

Não há mais briga de rua. Raridade. Resolvem-se todas as diferenças à bala, à faca, paus, pedras e machados. Quando alguém desperta os sentimentos mais primitivos em outro alguém, o caminho que o progresso humano tem indicado  é o da eliminação do adversário. É bom que se diga que a violência de espécie alguma é defensável.

Teve os tempos das brigas de rua. Uma violência mais honesta e menos covarde, mesmo se um lado é mais forte que outro. Há a possibilidade da defesa e da desforra. As turmas de ruas de outrora, evoluíram hoje para as gangues de extermínio. As brigas se davam por terrenos, sim. Terrenos de namoradas, ciúmes de irmã, dos times de futebol da rua de baixo contra a rua de cima. Uma valentia gratuita, mas que nunca passava de uns safanões ou uns chutes na bunda. Nada comparado a extermínio com dezenas de tiros de atualmente. Acho até mesmo que essa turma de hoje é mais medrosa. Só tem valentia armada. Isso sem falar da violência institucional, com a qual muitos concordam quando o estado a pratica em nossa pretensa e quase sempre obscura defesa.

Autor: Cacá – José Cláudio - Belo Horizonte/MG
Publicação autorizada pelo autor através de e-mail

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O Homem Sem Cabeça - Autor: Carlos Lopes

Vou lhes contar uma estória mal-assombrada, de ¨almas penadas¨, ou como se diz no Recife, de assombração. Pra falar a verdade é uma daquelas, cagada e cuspida do imaginário popular, criadas ou recriadas por marmanjos nas calçadas das igrejas do nordeste.  A única diferença é que neste caso aconteceu de verdade, cuja vítima foi um amigo, o qual não dispensa comentários de jeito algum, seja pela sua pessoa ou pelos serviços prestados à cultura e no serviço público do estado.

Material retirado para compor livro

sábado, 17 de setembro de 2011

Com que roupa eu vou - Autora: Zélia Maria Freire




Ora, pois, cá penso...Depois do gesto insultante da luva no meu rosto, não me restava outra alternativa, a que não fosse de me bater em duelo. Mas espera ai, com que roupa eu vou? A caráter? Fantasiada de esgrimista? E as armas... Florete, sabre ou espada? E os padrinhos? Ai!– que me perdoe a expressão chula, canhestra - mas vou mandar aqui um ai que saco!!! Melhor não ir... ou ir...? Afinal, nada vale a pena quando a alma é pequena... Ou eu troquei as bolas ... é tudo vale a pena quando a alma não é pequena? Cadê o mano Caetano para me tirar a dúvida, já que o Pessoa foi-se.

Confesso, sem falsa modéstia, que, nada mais admirável na minha pessoa do que o meu fair play... ou flair play? Dirime a dúvida aí Marília Paixão, já que és versada na língua do monstro sagrado que pôs na boca do Hamlet a célebre frase: To be or not to be, that’s the question (  que mania pedante esta minha de citação! ). Mas, como eu ia dizendo... ou ia dizer...? primo por um comportamento civilizado entre os humanos, inclusive os animais, e assim sendo, não vou duelar, estou sabendo de uma festinha à fantasia  na casa de um casal amigo meu e é pra lá que eu vou. E mais uma vez me pergunto: com que roupa eu vou?

Autora: Zélia Maria Freire - Natal/RN
Publicação autorizada por escrito pelo autor da obra

Seu Brasilino, o jardineiro - Autora: Vanice Ferreira

Durante muitos anos tivemos um jardineiro chamado Brasilino. Ele parecia ter uns sessenta anos, usava um chapéu de palha, que só tirava na hora das refeições. Cuidava muito bem das ávores, flores, horta, e deixava a grama linda!Tinha dedicação e carinho com as plantas.

Desde que começou a trabalhar em nossa casa, “Seu” Brasilino já estava ficando surdo, quando meu pai ou minha mãe queriam faltar com ele, sobre o serviço que deveria ser feito, eles falavam alto e devagar para que “Seu” Brasilino entendesse. Ele quase não sabia ler nem escrever, mas conhecia os números, era assim que conseguia saber qual o ônibus deveria pegar.

Depois do almoço, enquanto descansava, ele fazia alguns cigarros de palha, e tranquilo os fumava. Com o tempo, por estar muito velhinho, ele deixou de trabalhar... Foi difícil encontrar e se acostumar com outro jardineiro. Por um bom tempo meu pai cuidou do jardim, não muito bem, pois não podia dedicar-se como “Seu” Brasilino fazia.

Lembro-me que uma vez ao conversar com o provável novo jardineiro, meu pai falava alto e devagar com ele, então o jardineiro lhe respondeu: “O senhor me desculpe... sou velho enxergo pouco, mas não sou surdo!"


Vanice Ferreira - Curitiba/PR
Publicação autorizada por escrito pelo autor da obra

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

A foto - Autor: Carlos Costa

O “retratista” estava para chegar. Era raro um “retratista” ir ao Varre-Vento na década de 70.

- Vistam as melhores roupas, para receber o “retratista”. Como as fotos eram somente em preto e branco, minha mãe dizia que com roupas brancas sairíamos melhor.

- Coloquem um banco comprido ao lado da casa que eu vou decorá-lo para o “retratista”. Na verdade, o que minha mãe tentava esconder é que o banco era velho e feio.  Por trás do banco, para encobrir a parede de madeira, foi afixado também um pano branco. Pronto. Estava tudo preparado!

O motor parou. O “retratista” desceu e foi logo cuidando do que ele tinha ido fazer. Retirou de uma bolsa uma imensa máquina, um tripé na qual fixou a máquina tipo sanfona e deixou tudo no ponto.

- Sentem todos aqui, da forma que vocês nasceram.

Virou uma “escadinha” porque éramos em número de dez, na época. Todos sentados ao lado da casa de madeira, que mais tarde foi arrancada totalmente por um redemoinho, em um lugar que ainda hoje me traz boas recordações – o Varre-Vento.

Sempre tentei compreender porque chamavam o local de “Varre-Vento” se no local, nem ventilava muito, exceto no dia do vendaval que destruiu muitas coisas. Na realidade,  era até um pouco quente em dias normais. O  local, no município de Itacoatiara, tinha algumas pessoas felizes, inclusive a minha: meu pai, minha mãe e meus nove irmãos perfilados um ao lado do outro.

- Todos prontos? – era o “retratista” quem perguntava, mas minha mãe decidiu mudar as posições. Os mais velhos ficaram atrás, os mais novos ficaram na frente e o “retratista”, então, foi autorizado a “bater o retrato”.

- Daqui a um mês, quando ficar pronto a foto e eu colocá-la em uma moldura, entregarei – prometeu o “retratista”.

Depois da foto “tirada”, eu e meus irmãos tiramos nossas melhores roupas, vestimos nossos calções e ficamos comentando as coisas que considerávamos “estranho”.

- Você viu aquela lâmpada que acendeu e apagou e saiu muita fumaça depois? – perguntou meu irmão.

A foto chegou como o prometido. Estavam lá todas as dez almas gravadas na fotografia! E ficamos todos felizes por vermos como éramos porque nem espelhos nós tínhamos em casa. E nossas almas ficaram estampadas na foto, como diziam os índios do lugar!


Autor: Carlos Costa - Manaus/AM
Publicação autorizada por escrito pelo autor da obra


Comentário de Carlos Costa

Um log cultural que objetiva divulgar escritores é uma raridade nesse país. Confesso que não o conhecia, nem a você Carlos Lopes, pessoa formada em História com uma grande tendência ao universal, nem ao seu blog que conta com a colaboração de escritores renomados ou não, de várias partes do Brasil. Parabéns, Carlos Lopes e parabéns pela brilhante criação do blog para divulgar a cultura, tão desprezada no Brasil de hoje.

Um abraço
Carlos Costa

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Infância - Autora: Flávia Marques

A menina ia para a escola na garupa da bicicleta do avô. E ele era todo orgulho desfilando com sua neta-estudante. Hoje a bicicleta não existe mais, só os ensinamentos que o caminho para a escola imprimiram no caráter da menina, muito mais que os livros e cadernos.
Autora: Flávia de Oliveira Marques - Campos dos Goytacazes/RJ
Blog da autora: http://www.luanaetrintaalmas.blogspot.com/
Publicação autorizada por escrito pelo autor da obra