segunda-feira, 29 de julho de 2013

Um causo de amor

Autora: Michele Calliari Marchese

“O Teixeira era um jagunço dos diabos e vivia por aqui, matando, assaltando e deixando todo mundo assustado. A morte dele deu-se ali na cidade de Catanduvas. Ficou dentro de uma cabana, armado até os dentes. Nenhum polícia conseguia tirar ele de lá e não conseguiam acertá-lo. Num determinado momento e querendo matar a polícia, saiu da cabana com um revólver em cada mão e atirando sem parar. A polícia que tinha ido preparada, sacou de uma metralha e foi só assim que o Teixeira morreu. Tiraram uma foto dele com o par de revólveres cruzados em seu peito.”
E o Padre Dimas mostrou para todo o povo da Campina a foto do jagunço jazido e olhou de atravessado para o Juvenal. Fora este o Jacó e o Padre Dimas, ninguém entendeu porque ele estava falando de jagunço morto em Catanduvas, mas ninguém perguntou nada. O padre falou e estava falado e também porque era um prenúncio de morte.
O povo ficou impressionado.
Acontece que o Jacó tinha várias filhas e uma delas, já com 17 anos estava enamorada de um rapaz de Capinzal que o pessoal achava tratar-se de um jagunço daqueles bem brabos. O nome do moço era Juvenal e tinha um cavalo crioulo muito lindo e não olhava para moça nenhuma que não fosse a Iracema, uma das filhas do Jacó.
O Juvenal ia e vinha, e ninguém nunca soube o paradeiro dele, se tinha família e se trabalhava no quê. Era um mistério. A única coisa que se sabia certo era que queria casar a todo custo com a Iracema. E ela com ele.
Iracema chegou a sugerir uma fuga, mas Juvenal não aceitou. Tinham que casar bem certinho, na Igreja, com a benção do Padre Dimas e tudo o mais. Já tinham até as alianças, mas o Jacó não aceitava nem por misericórdia.
Foi no domingo que o Padre Dimas falou em seu sermão sobre a morte do bandido Teixeira e o Jacó achou por bem falar com o Juvenal. Assim, de homem para homem e entre tantas coisas que foi falado e que nunca se soube, foi que o Juvenal partiu de volta para Capinzal naquela mesma hora e nunca mais voltou.
À pobre da Iracema restou chorar amargamente e casar com o primeiro que apareceu.
E assim como na vida, tudo passou. O padre Dimas morreu, as coisas mudaram de lugar e de espaço, o Juvenal ficou viúvo e a Iracema, também.
Aconteceu bem quando eles estavam esperando a morte chegar, quando já tinham vivido e não tinham mais nada para viver e os dois se viram e se encontraram na Missa das oito, aqui na Campina e justamente na hora que o Padre Ivo disse:
“O bando do famoso bandido “Facão do Penacho” só pôde ser capturado depois que os assaltados conseguiram dar uma bebedeira nos assaltantes, e aí então, depois de dormindo foi que conseguiram dar o cerco na casa e prenderam os meliantes, sem direito de defesa e tampouco de vida, desapareceram no caminho da penitenciária de Curitiba, no Paraná.”
E foi a coisa mais linda que ouviram, porque era o prenúncio de uma nova vida, a vida deles juntos, mesmo que durasse outro tão pouco tempo quanto àquele de sessenta e cinco anos atrás e também porque o Padre Ivo não sabia nem porque tinha comunicado à população sobre a captura, já que o ocorrido tinha acontecido uns 30 anos atrás.
Então Juvenal e Iracema resolveram se casar, imediatamente. Sozinhos os dois com o Padre. Sem padrinhos, sem família, sem ninguém, com aquelas velhas alianças que o Juvenal tinha guardado e que não cabiam mais nos dedos, mas que serviram em seus corações.
Assim como devia ter sido em 1932 e não foi. E eles sabiam também que quando o padre falasse de novo em jagunços e bandidos jazidos há muito tempo atrás, era porque era a hora da despedida.
Era a hora da morte do amor. 

Michele Calliari Marchese é catarinense de Xanxerê. Formada em ciências contábeis, é contista semanal do Jornal Diário Folha Regional de Xanxerê - SC, mantém uma escrivaninha no site Recanto das Letras e no blog Sem Vergonha de Contar. Participou com contos nos livros UFOs - Contos não identificados e Espectra, ambos pela Editora Literata de SP,  do Livro dos Prazeres editado pelo SESC de Santa Catarina e no E-book Quinze Contos Mais pela editora Helena Frenzel.


6 comentários:

Carlos A. Lopes disse...

Seja bem vinda ao Blog, minha cara Michele Calliari.

Patricia disse...

A estória de Iracema e Juvenal é interessante, intrigante é verdade, porém bonita por ser diferente. A Michele colocou cada palavra em seu devido lugar tornou um conto difícil de escrever em obra de arte. Parabéns pela sua cria, quem não quer ler até o fim?

Helena Frenzel disse...

Eu sou muito suspeita para falar porque Michele é minha comadre e não é de hoje que me encanto com seu jeito criativo, leve e preciso de escrever e pra não me acusarem de estar chovendo no molhado selo este comentário "com aquelas velhas alianças que o Juvenal tinha guardado e que não cabiam mais nos dedos, mas que serviram em seus corações.", que fala por si só. Parabéns, Michele, bom ver você aqui em meio aos contadores!

Anônimo disse...

Carlos, obrigada pelo convite! Patricia, pelas suas palavras encorajadoras e Helena... pela nossa amizade! Obrigada!
Michele C.Marchese

RebeldeS disse...

Li e gostei, parabéns a autora Michele.

Anônimo disse...

Num clima de jagunços e bandidagem, o amor perene salvaguardando a ideia de que o amor não conhece as razões do homem, do tempo ou do espaço. Parabéns, Michele. Marina Alves.