segunda-feira, 30 de junho de 2014

Minha Casa Está Sem Alma

Autora: Ana Bailune

Eu hoje acordei de madrugada, e juro, escutei você tossindo no corredor, aonde você ia tossir quando precisava da minha ajuda de madrugada. Levantei-me, olhei pelo vão da escada, e tudo estava vazio...
Desci, preparei meu café, e você não estava na cozinha. Dei a primeira aula do dia, e você não apareceu fazendo barulhos para chamar minha atenção. Não precisei colocar os banquinhos bloqueando a entrada para evitar que você invadisse a sala de aula. A aula terminou, e quando fui levar minha aluna ao portão, um enorme tufo de pelo pousou no tapete da entrada, aos meus pés. Peguei o ancinho e fui varrer as folhas secas do gramado, pois varrer sempre me alivia... e deparei com um último cocozinho seu que passou despercebido entre as folhas secas. 
Ainda vai levar muito tempo até desaparecerem todas as suas marcas, pois você estava em todos os lugares desta casa, deste jardim. Nossa amiga, confidente,  filha, companheira. Há dez anos juntos. 


Abri o armário da área de serviço e deparei com seus remédios de outros tratamentos mais antigos, xampus e cremes, colírios e unguentos. Você sempre tinha algum probleminha de saúde, infelizmente... e eu cuidei tão bem de você! Juntei todas as coisinhas em uma sacola e fui levar para minha vizinha que cuida de cães abandonados, para quem eu já tinha doado suas rações e biscoitos. 
A casa está horrivelmente silenciosa. Não escuto suas unhas no piso da cozinha e da sala. Limpei as últimas marcas de suas patas no chão da cozinha, e doeu passar o pano sobre elas... era como se eu estivesse banindo você. Olho pela janela, e você não está ali, ao sol, esperando eu terminar minha aula.
Minha casa está sem alma, e sabe, eu nem desconfiava que te amava tanto. Meu marido resumiu muito bem tudo o que aconteceu em uma curta frase: "Ela era a minha alegria." Lembro-me dele chegando em casa e perguntando, "Como estão as minhas meninas?"


Recordo-me das últimas vezes, sextas-feiras à tarde, em que eu colocava uma música suave e nós duas nos deitávamos no tapete da sala (o novo, que meu marido dissera que não era para cachorro dormir); você, de barriga para cima, ficava olhando o teto, e parecia sorrir. Estava tão tranquila e satisfeita... a tosse ainda não tinha começado a sufocá-la. Eu encostava meu rosto na sua carinha, e ficávamos tanto tempo assim, até que você dormia. Você está em toda parte. Dominou a nossa casa e as nossas vidas de uma forma eficiente e completa.

Agora, como seguir em frente nesta casa vazia de você? Tudo está tão sem-graça...



Autora: Anabailune - Petrópolis/RJ




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quinta-feira, 19 de junho de 2014

Texto: 40 (do concurso) - Palavra de caçador

– Bicho sonha? Insuspeito leitor, pelo nível etílico da pergunta você não precisa ter lido as encrencas do velho detetive Sherlock Holmes, pela enfumaçada Londres de dois séculos atrás, para deduzir que ela foi feita em ambiente descontraído, sob o ponteado da viola caipira do Renato Teixeira, à volta de uma mesa recoberta por copos, garrafas, pratos de tira-gosto... Onde meia dúzia de senhores desocupados desfrutava a sempre agradável companhia de mulheres, aos risos e dengos, em plena madrugada!

Somados os l7 graus de álcool da cerveja aos 42 da cachaça, não consigo me recordar quem levantou a questão, que na verdade era mais uma desculpa para a gente atrasar a saideira. Mas vi bem que, por três vezes, a cozinheira havia saído de seus domínios – botada a cara na janelinha por onde se passavam os comes e bebes –, avaliando o que deveria acrescentar ao cardápio que provocasse disenteria àqueles riquinhos metidos a besta, daí lhe rendendo uma horinha a mais de sono, porque ao dia seguinte tudo recomeçaria. Lembro, todavia, que misturando datas e nomes, alguém solenemente gaguejou: – Uai, cachorro sonha!

Aí, o sabichão emendou com o caso de um cachorro do velho Juca Rufino – fazendeiro e caçador afamado na banda de cá do rio São Francisco –, que em sua matilha contava o tal Japi. Cão de faro fino e latido intimado que caçava como nenhum outro, faltando só conversar em francês! Aliás, por conta deste nome meio bichoso – Japi, o velho Juca vira e mexe tinha que dar explicação. E sentado, cruzando uma perna sobre a outra, na maior pachorra do mundo, que a prosa ia longe, acendendo um pito de palha esmiuçava: – Cachorro caçador tem que ter nome curto, não acabando com ‘inho’ e sem dar apelido, por conta de na hora que a gente estumar ele, o danado não cambar de arrepio, pra longe da caça.

Tinha razão o fazendeiro-caçador. Dando-lhe fiança, meu avô e seu compadre Guilhermino, companheirão naquelas conversas que duravam do almoço até pra depois do sol entrar, que embora não fosse chegado a caças entre matagais e esconsos mantinha em sua fazenda, por capricho, certo cachorro ali esquecido por uma comitiva de boiadeiros, que para facilitar o andamento do caso ganhou o nome do dono da boiada: – Florisvaldo! Abreviado por alguns ficou Flor; esticado por outros virou Valdinho. Ambos, certamente, comprometendo a cãozência do cachorro.

A cozinheira já havia posto todas as vassouras do bar, em pé, atrás da porta – mandinga infalível para mandar visitas indesejáveis de volta para suas casas; o garçom desligara quase todas as lâmpadas, e em último recurso nos serviu cerveja quente; e os pedantes fregueses com suas respectivas companheiras, firmes... Essa frescura de “traz aquela estupidamente gelada, pra gente pedir a conta”, de madrugada, é folclore.

Se bicho sonha, Sherlock não esclareceu. Mas que o cachorro foi o primeiro animal selvagem domesticado pelo homem, e desde aí chamado amigo fiel, é verdade. A estória do Japi diz tudo. Ele não apenas sonhava como tinha delírios; e às madrugadas, de olhos fechados, acuando baixo, era visto negaceando pelos cômodos da fazenda Santa Rosa, como se tivesse achado um bando de codornas, num capão de mato! Por detalhes assim, às vezes, fica difícil não acreditar em caso contado por caçador.

Texto: 55 (do concurso) - Histórias de amor animal

Primeiro foi Veludo. Um belo cão com porte de dálmata, negro como veludo. Quando Alice voltou da maternidade trazendo o pequeno Edgar no colo, sentou-se na velha cadeira de balanço que  ficava no alpendre da casa  para dar de mamar  ao pequeno recém-nascido. Veludo  acomodou-se nos pés de Alice. Quando ela foi deitar  Edgar no berço,  o cão  deitou-se ao lado e de lá só saia  para comer. Ai de quem não sendo morador da casa, se aproximasse do berço. Veludo rosnava feio. Foi assim até que Edgar  desse os primeiros passos sempre acompanhado por Veludo. Os dois rolavam pelo chão em gostosas brincadeiras, corriam pelo quintal da casa apostando corrida. Veludo foi um companheiro  e tanto para Edgar, até quando por velhice veio a falecer, para a tristeza de toda a família.  
Depois  foi  Shelik, uma beagle  de pelos brancos, marrons  e pretos. Lucas, o dono, ganhara a cadelinha  num concurso de desenho. Shelik tinha apenas dois meses quando chegou  no apartamento da família, a qual imediatamente apaixonou-se pela cadelinha. As crianças do comdominio tomaram-se de amores por Shelik e  de vez em quando tomavam-na emprestada para passear e fazer charme com o sexo oposto. Shelik era amorosa, quieta, adorava brincar de bola com Lucas À noite,antes de ir para sua casinha, vinha pedir e dar carinhos para seu donos. Ficou com a família até os 14 anos.
Por fim foi Peludo. Josafá    viu uma caixa bem no meio da rua, onde deveria passar com o carro. Foi ver o que era e lá estavam quatro filhotes  muito parecidos com pastores alemães. Josafá pegou um deles e levou para o barracão onde estava trabalhando temporariamente. Na hora de ir embora, não houve disponibilidade de ninguém  para adotar o cãozinho e assim, Josafá ficou   com Peludo. Atualmente   o belo cão encanta  os netos  de Josafá com suas brincadeiras e docilidade. Tornou-se um belo cão e ainda guarda a casa de seus donos, sempre de plantão no jardim  da família.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Texto: 54 (do concurso) - Lilica

Esse é o nome da cachorrinha “poodle” da minha princesa Ana Claudia e dos seus filhos, meus netinhos adorados, Isabela, Victor e Guilherme, residentes no Condomínio Residencial Jardim das Palmeiras, em Jundiaí, São Paulo.
“Lilica” tem o número 0 (zero, o menor na classificação pelo tamanho), mede uns trinta centímetros de comprimento, no máximo, é branquinha, pelos anelados, olhinhos negros, muito mimosa, uma graça de animal. Conquistou logo a simpatia de toda a família, até do paizão, o Décio, o qual não é lá muito chegado a cachorro. Mas, como ele faz tudo pela alegria e felicidade da família, concordou com a vontade de todos e adquiriu o bichinho de estimação.
Aí “Lilica” chegou, viu e venceu. Muito meiga, vive dentro de casa, sempre por perto, gosta de aconchego e de carinho; cachorrinha  de companhia, parece gente! Se você está triste, pensativo, ela deita à sua frente, estende as patas dianteiras e nelas apóia seu queixo, permanecendo quieta e pensativa também. Isso mesmo, pensativa! Ou vocês acham que cachorro não pensa? ...
Se você está alegre, bem disposto, a “Lilica” participa desses momentos de descontração, corre pra lá e pra cá, abana o rabinho, os olhinhos brilham, dá latidos curtos de entusiasmo, se achega e estende a cabecinha pedindo cócegas no pescoço gracioso. Ela é assim, amiga, companheira fiel, participativa.
Aos domingos, quando a turma sai para os passeios no Parque da Cidade, ou no Jardim Botânico, “Lilica” marca presença, correndo atrás dos meninos e das suas bicicletas, ou apostando carreira com Isabela, Victor e Guilherme nas voltas de patins ou de “skate”. Se a brincadeira da turma é com bola, ela também está lá, vai atrás, corre de um lado a outro do gramado, só faltando disputar a pelota com eles, arriscando-se até a levar um chute ou uma bolada dos marmanjos.
Mas quando chega a noite, “Lilica”, cadelinha bem comportada, sai para a área externa e corre pra sua casinha, ao lado do pequeno jardim bem cuidado, onde se instala, agasalhada pelos panos macios e quentinhos do seu “lar, doce lar !” ... E sonha com as brincadeiras que virão no dia seguinte.

Texto: 44 (do concurso) - João Manteiga e o cachorrão amarelo

Numa bela manhã de outono, estava lá o “Seu” João Manteiga sentado num banco ao lado da grande porteira da Fazenda dos Macacos, no Capim Branco, interior mineiro, na companhia do seu cachorrão magro e  amarelo, quando veio buzinando um carro reluzente com chapa de cidade grande (Rio de Janeiro),  tendo ao volante um cabeludo de óculos escuros, colarzão no peito e pulseiras de metal nos dois punhos.
Assim que se aproximou, o cabeludo gritou ao “Seu” João Manteiga com toda autoridade desse mundo:-
“- Ô veio, abre a porteira que eu vou passar, tá ligado? ...” – no que o caipira, pitando tranqüilo o seu cigarrinho de palha, retrucou:-
“- Ah, moço, num pode passar não! É propriedade particular, sabe?... “
“- Olha aí, veio, ou você abre a porteira ou solto meu “Pit-Bull” daqui de dentro e ele vai acabar com esse cachorrão amarelo aí do seu lado! ...”
“- Não, moço, num posso abrir não. Já disse que é particular. Pode vortar pra cidade! ...”
“- Vou repetir mais uma vez, veio:- abre logo essa porteira que tou com pressa. Se não abrir, eu solto meu “Pit-Bull” assassino pra cima do seu cachorrão magro e amarelo. Parece mais um vira-latas!”
“- Olha, meu rapaz, já disse que num pode passar! É fazenda particular e num tamo esperando visita, viu? Faz favor, dá meia volta e vá embora! ...”
“- Pela última vez, abra ou solto meu cão assassino!” – bradou o cabeludo.
“- Ah, não solta não, por favor! Meu cachorrão amarelo é bravo, vai detonar com ele, sabe? Num solta não! ...”
“- Não vai abrir? Pois então que se dane! ...” – respondeu o “boy” , sacudindo as pulseiras do punho e abrindo a porta do carro, liberando o “Pit-Bull” assassino.
Quando seu cão partiu pra cima do cachorrão amarelo, espumando de ódio, o outro ergueu a pata dianteira e deu-lhe uma tremenda patada no peito, só uma! O “Pit-Bull” caiu duro e fedendo. O amarelo então cravou-lhe os dentes no pescoço e arrancou sua cabeça, espirrando sangue por todo o lado. Aí o cabeludo, pasmo, gaguejou:-
“- Ô veio, onde arranjou esse cachorro amarelo? Que raça é essa, sô? ...” – e o capiau, soltando fumaça do seu cigarrinho:-
“- Ah, num sei a raça não! Peguei ele dum circo que passou pelo Capim Branco, faz tempo, sabe? Foi abandonado. Ele tava muito magro e cabeludo, um cabelo muito grande na nuca, passando fome, fiquei com dó e cortei todo aquele cabelão. E tomei conta dele, ficou aqui na fazenda. Com a gente é manso mas com os outros é brabo que nem a peste! ...”

Texto: 39 (do concurso) - Buíck

Quando criança dos meus oito, nove anos eu costumava passar alguns dias na companhia da minha inesquecível Vó Fela, mãe da Flaviana, minha progenitora, saindo de Beagá para curtir as delícias do meu torrão natal, o Cedro, interior das Minas Gerais, bem ao lado de Cordisburgo, berço do grande João Guimarães Rosa.
Além dos meus amiguinhos do Cedro, o Zazá, Lié, Boli do Juca, Adilson, Eligio, Lu Preto, Sil Careca, Mateus da Dozina, Zé Domingos, Jair Breiada, Tiãozinho, Beto, Tuca, Helio, Quinha e muitos outros, com os quais me divertia a bom valer, jogando bola nas concorridas “peladas” de todas as tardes, caçando passarinhos, armando arapucas, pescando piabas e lambaris no corguinho que serpenteava lá embaixo nos fundos do imenso quintal da casa do meu Padrinho Fulô, eu não dispensava jamais uma caçada com o padrinho e seu perdigueiro famoso, o “Buíck”, nos cerrados que circundavam o Cedro.
Voltávamos sempre com algumas codornas levantadas nos pastos pelo cachorro e abatidas pela pontaria infalível do Fulô, tido como o maior caçador e pescador daquele aprazível lugarejo.
Meu padrinho chegava à casa, depenava as aves, cortava-lhes os pés (seus troféus) e dependurava numa fieira estendida no galpão onde guardava suas tralhas de caça e pesca, retirava as vísceras, lavava, temperava e a seguir as cozinhava em panelão no grande fogão à lenha pilotado pela mulher, Tia Judite.
Aí juntava toda a sua grande família, dez filhos e servia o produto da caçada, as codornas acompanhadas de arroz com alho, feijão preto, couve e angu. Comíamos como padres e, a seguir, íamos ao quintal saborear algumas laranjas colhidas nos pés, todos esparramados no chão à sombra das arvores, enquanto rolinhas, bem-te-vís, sanhaços, joões-de-barro, melros e outros pássaros esvoaçavam por ali, entusiasmados também com a animação reinante. Depois, de bucho cheio, íamos cochilar um pouco, procurando repousar o esqueleto antes da tradicional “pelada” vespertina.
Eta ferro, sô!... Quanta saudade desse tempo de menino traquinas, sem dúvida nenhuma a melhor fase da minha e daquelas vidinhas em flor! ... 

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Texto: 38 (do concurso) - A cachorrinha

Era uma poodle linda toda pretinha parecia veludo. Os olhos duas bolinhas de  cor de mel.
Brincalhona encantadora usava uma linda correntinha de ouro.
            A família morava em apartamento, não podia ter bichos, ou melhor a mãe não queria tê-los, mas quem diz que onde tem criança não tem bicho?
Sempre pediam aos pais bichos de presente pediam tartarugas, coelhos, passarinhos, gatinhos...
E a mãe  enrolava e dava um jeitinho de presenteá-los com outras coisas  era  em dias aniversários, dia das crianças, natal, queriam bichos e a mãe vinha com  um lindo brinquedo.
      Um dia Clarinha de 5 anos e Marcelo de 6 anos estavam brincando no pátio e viu os vizinhos dizer que ia se mudar para longe e não podia levar  a poodle com apenas 3 meses de vida atendia por: "Penélope".
             Eles correram e imploraram para que a mãe deixasse
ficar com ela a mãe por sua vez pensou no trabalho com o bichinho,
ficou dura, na sua posição.
Pensou na dor se perdessem ela, ficou seca irredutível.
No entanto crianças pediram com tanta doçura e com os olhinhos
cheios de lágrimas, Penélope a olhava com carinho pedindo colinho.
Impossível! Dessa vez não deu para dizer não.
             A mãe gostava tanto de Penélope quanto as crianças, mas por ter passado experiências desagradáveis com animais na sua infância preferia não tê-los.
             Os dias foram passando e se apegando cada vez mais.
Penélope trouxe muitas alegrias a essa família.
Clarinha e Marcelo até comportavam mais, brigavam menos.
Um dia Penélope amanheceu triste, desanimada, quietinha em seu canto nada a animava.
            A mãe levo-a a clínica veterinária Penélope estava muito doente, correndo sério risco de morte tiveram que deixá-la lá, todos os dia iam visitá-la.
A mãe que já previa o pior e já tendo ela passado por isso preparava as crianças para que elas não sentir tanta dor após a morte de Penélope.
Quando logo pela manhã o telefone tocou.
- "Senhora Clarice Sua cachorrinha Penélope morreu."
Uma semana depois a mãe estava se arrumando para sair
colocou uma linda correntinha de ouro na pescoço, Marcelo olhando-a disse:
- Mamãe, você se parece tanto com Penélope!
A mãe respondeu:
 - Filho eu também te amo.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

As aventuras de Nenzinha

Autora: Nenzinha

Nenzinha foi transferida para um novo mundo onde foi confrontada com uma nova realidade:

- O senhor tem “Gatorade”?

- Guêitoquê?

- Rêide!

(pensa, pensa, pensa)... – Quê isso moça?

- Um treinzim de beber, coloridim, que a gente toma pra se refrescar!

- É uma marca nova de refrigerante?

- Não! É um suco de fruta. Tem de limão, de laranja, de uva...

- Ah! Por que não disse logo? E deu pra moça um pacotinho de Ki suco. – Só tem de groselha. Toma!

“Que mundo é esse meu Deus? (calma! Respira! Respira!)...” 

- Quero isso não moço! Me dá um “Trident”.

- Te dá o quê?

- “Trident”. E soletra: trai – dent.

- Quê isso moça?

- GRRR! Um chiclete, moço!

- Ah! Porque não disse logo? Toma! (E lhe deu um chiclete “Ploc”, com figurinha “transfer” e tudo).

- GRRR! Que lugar é esse meu Deus?

Saiu do boteco, toda emperiquitada, nervosa, mascando um “ploc”, roupa de grife, bolsa digna de desfile na Champs Elyséé, salto alto naquela rua de terra solta, afundando o pé em cada passo, maquiagem branca no rosto com a poeira da rua virou “cor da pele”...

Chega ao seu novo recinto de trabalho e se apresenta naquele seu (nosso) sotaque cantadim do norte de Minas:

- Oiiiêê! Sou a Nenzinha, mas podem me chamar de Nenza! Fui transferida pra cáá! Onde é minha sala?

- Prazer Nenzinha! Seja bem vinda! Sua sala é aqui. (só tinha uma sala, com uma mesa e uma cadeira).

(Que mundo é esse, meu Deus?) 

Primeiro cliente chega... Uma pessoa simples que tinha vindo vender umas galinhas caipiras na feira...

- Bom dia moço! Que o senhor deseja?

E apertou a mão dele, enquanto conversavam dando ao moço a informação que queria.

Durante a conversa, a Nenzinha começou a coçar levemente as costas da mão.
Conversa vai, conversa vêm, começou a coçar o braço, ainda sem prestar atenção na coceira... Depois começou a coçar por dentro da roupa e aí se deu conta de que tinha algo de errado... O moço já tinha saído e só então ela se deu conta de que estava toda cheia de picadas e a pele toda salpicada de pintinhas vermelhas. Estava toda coberta de piolhos de galinha!

- MEU DEUS! QUE LUGAR É ESSE? E voltou pra casa pra tomar um banho e trocar de roupas.

Autora: Nenzinha - Montes Claros/MG

Página da autora:



quarta-feira, 11 de junho de 2014

Texto: 43 (do concurso) - A vidência de Jericó

Jericó, o burrinho que sabia os dias da semana( Esta estória eu a escutei da boca do meu avô, que a ouviu da boca do avô dele – de nome Romualdo – com quem acontecera o caso de um burrinho muito inteligente que sabia os dias da semana de cor e que virou uma lenda no Centro-Oeste de Minas Gerais)
Jericó ...  Eta burrinho inteligente .... Veja vocês que ele sabe os dias da semana de cor...
Quando eu falei assim, o Matias Beba, um vaqueiro ruivo e de sardas na cara, riu assoberbado. Donde já se viu burro inteligente, compadre Romualdo? E o Posico, crioulo alto, cabelinho de picumã, acabando de enrolar seu palheiro, emendou: Uai, burro é burro, tem jeito de ser inteligente não, Rumuardo! O próprio nome já conta!
A gente era em cinco pessoas, os outros dois, o Tõe Ludovico e o Zé Sinhana ficaram calados, mas sacudiram a cabeça em sinal de concordância, como a dizer: Tá dereito! Tá dereito!”
O risinho irônico daqueles dois caboclos parecia estar debochando da minha fala sobre o Jericó e apoiando as tiradas do Matias e do Posico.
Comigo não, Sebastião. Como existe Deus no céu, vou provar provadinho que o que tô falando num é mutreta não. É verdade verdadeira.
Nós tinha acabado de tirar o leite das vacas do coronel Venício  Ramalho, no retiro dos Munjolos. Enchemos três latões de 50 litros. Um era levado para dentro, usado nas despesas da casa grande, pra fazer queijo, requeijão, doce, biscoito, bolo, broas ... Aquelas gostosuras que a dona Afonsina fazia como ninguém numa fartuura que o povo da família comia, os empregados e as visitas também e ainda sobrava.
Mas voltando às latas de leite, as outras duas que não entraram nesses pormenores, essas eram levadas todo santo dia para a cooperativa da cidade. Ah! ia esquecendo, de menos no domingo.
Com o tempo, tinha-me esquecido do pouco caso dos meus companheiros sobre minha conversa a respeito do burrinho Jericó.
Mais num é que fiquei sabendo que os merda andaram esparramando o causo e muita gente tava mangando de mim de eu dizê que o Jericó era inteligente e sabia os dias da semana de cor!!! Isso é pataquada do Romuardo –tão falando por aí.
Então, de noite, lá em casa, debaixo das coberta, consurtei os conseio da Barbina, minha muié. E ela achou que eu tinha mais  é que reagi. E conseio da Barbina pra mim é ordem.
Decidi, portanto, que eu ia prová pressa gente que Romuardo Rufino Garbaza, filho de Raimundo Rufino e Rita Garbaza lá do Puladô, é caboclo sério. Num é home de pataquada.
Aí falei pra Barbina: Eu vou é partir pro debate com esses mequetrefes.
No domingo de tarde, cheguei mais cedo na venda do Pedro Miséria, no arraial do Mato Seco. A turma tava toda lá. Bebendo cachaça, garrada no truco, jogando conversa fora. Fui entrando, meio espaventado, dei bons dias como é de praxe pela boa inducação. Logo fui falando antes que arguém me argüisse: 
Sem contá esse, daqui a dois domingo, cês tejam todos aqui. Vou provar com testemunhas idôneas o que falei e tenho dito sobre o Burrinho Jericó.
Houve um silêncio domo o de velório de defunto importante. Cheguei no barcão e pedi uma cachaça. Bebi de um trago. Paguei o Pedro Miséria. Dei boas tardes pra todo mundo. Cisquei da venda, sem proseá mais nada com ninguém. Montei meu cavalo rusio e vortei pra fazenda.
No dia marcado, eu tava de vorta lá na vendinha. Um povão me esperava num burburinho de desconfiança. Chegaram comigo o Posico, o Matias, o Ludovico e o Zé Sinhana. Além deles, o Néia, filho do meu patrão. Cheguemo. Abrimo caminho até o balcão.
Cada um, na sua vez, foi falando: O Romualdo tem razão. O Jericó é um burro inteligente. Ele sabe mesmo os dias da semana de cor. Na vez do Néia, ele falou que tinha visto, por duas semanas, com seus óios que a terra hão de comer, o seguinte sucedido:
De segunda a sábado, às seis horas da manhã, o Romualdo pegava o cabresto e ia, lá no fundo do pastinho, buscar o Jericó. Ele chegava no curral. Comia o que tinha no cocho. Era cana, mio ou fubá a fim de lhe dar sustança pra viagem. O Romuardo esperava ele acabá. Botava freio, baixeiro e sela. Punha o peitoral. Apertava a barrigueira. Punha as latas no lombo dele e os dois iam trotando pra cidade.
Aí o Néia, ante uma platéia atenta, encerrou:
Mas no domingo, gente, acreditem se quiser...só no dia de  domingo, que é o dia de forga do Jericó, num carece de buscá. Ele vem sozinho. Amanhece na porteira do curral para comer sua ração no cocho. Conclusão: ele então sabe contá divera os dias da semana de segunda a domingo direitinho.
E arrematou: É só o que eu tinha pra contá. E hoje ninguém se preocupe, não A bebida é à vontade e por minha conta em homenagem ao Jericó, o burrinho mais inteligente do mundo,  e ao Romualdo, homem de palavra. Pra esse eu boto a mão no fogo. Tudo que ele falar, todo mundo deve acreditar.

Texto: 37 (do concurso) - Travessuras de Pedro e do gato Sherlok

(Conto bom-despachense de finados, baseado em fatos reais) 

Sou um cidadão bom-despachense, já passado dos 60 anos, nascido lá pras bandas do Engenho do Ribeiro e há muitos anos fora de minha terra natal. Na adolescência, fui estudar num seminário de padres de uma cidade na Zona da Mata Mineira         
Veja você, prezada leitora, que na cidade onde eu estudava para ser padre, nos meados do ano, aconteceu de falecer uma das mais ricas, religiosas e queridas personagens locais.
Filantropo por natureza, ele era sempre o primeiro a encabeçar as doações para as obras da paróquia. Quando veio a falecer aos 89 anos, na boca de uma noite de quinta-feira, a cidade inteira parou pra homenagear seu grande benfeitor.
Naquela época, Frei João, já idoso e com dificuldades para subir à torre da igreja vinha preparando-me para ser seu substituto como sineiro da matriz. Um ofício e uma arte muito importantes naqueles tempos, porque os sinos das igrejas e das capelas do Brasil, até meados do século XX, eram o grande meio de comunicação temporal e espiritual para as populações dos povoados e de pequenas e grandes cidades. Eles repicavam festivos no natal e nas aleluias ou para receberem excelências, eminências e personalidades que visitavam o lugar. Ressoavam e ribombavam compassados, soturnos, ao anunciarem a morte de pessoas. De qualquer pessoa que se finasse, fosse ela criança, adulto ou idoso, pobre ou rica.
Naquele dia, falecera conforme já lhes contei, um homem de elevada envergadura moral da cidade. A igreja quis retribuir com zelo a fidelidade de seu fiel servidor. Frei João ensinou-me e disse-me que eu devia entender uma coisa: É que o sino a gente não bate nem toca. Não!  Sino, a gente o faz cantar nos dias festivos e o faz chorar nos acontecimentos tristonhos.
Ordenou-me ele que eu subisse à torre e até o sol se esconder, por ordem do vigário padre José, eu deveria fazê-lo soar. Soar por vezes repetidas, no toque grave e rouco para defunto: dão ...dão...dão. E no dia seguinte, eu ficaria de plantão na torre e  executaria o mesmo serviço desde o momento em que o féretro saísse de sua residência até a matriz.
Posteriormente à missa de corpo presente, que eu continuasse minha tarefa, de modo que o badalar tristonho prosseguisse até o momento em que o corpo descesse à sepultura. Fato que eu poderia acompanhar passo a passo, uma vez que o cemitério era próximo da igreja e, lá do alto da torre, ser-me-ia dado assistir a este último momento do falecido ilustre.
Ora orgulhoso, ora um tanto entediado, fui me desincumbindo da missão, modéstia à parte executada com competência. Todavia já nos finalmentes, um ato totalmente impensado e lamentável aconteceu. Os meus prezados leitores e as caríssimas leitoras sabem como é a cabeça de um adolescente. Seus neurônios são como os relâmpagos ligeiros e irresponsáveis que riscam os céus: pensam pouco e agem sem raciocinar. Ali estava eu entediado e entorpecido, física e mentalmente, por aquele som monótono de compassadas e repetitivas badaladas Mas não estava só. Deitado preguiçosamente, aos meus pés, encontrava-se o Sherlock.
Sherlock era o gato de estimação da meninada do colégio. Lá aparecera e fora adotado por nós. Sherlock estava sempre comigo, comigo estava naquele fúnebre dia. Eu badalando o sino... dão... dão ...dão e ele dormindo este sono frouxo e relaxado que só os bichos gatos sabem dormir.
Num dado momento, meu cérebro oco e irresponsável parou de vez de pensar. Lenta e maquinalmente, sem raciocinar nas conseqüências de meu ato, peguei a corda de um dos sinos e com ela amarrei o felino pelo meio. Na barriga. Entre as quatro patas. Sonolento, ele, de início, não reagiu. Aceitou tudo passivamente, mesmo tendo eu apertado muito a laçada. Porém, de repente, o bichano se deu conta do que eu lhe havia feito. Soltou um miado agudo e nervoso, unhou-me fortemente o braço. Endoidou-se. Escapuliu-se de minhas mãos e iniciou uma ciranda louca no espaço, sob o sino. E este sino começou a repicar doida e festivamente pelos pulos loucos do Sherlock, atado a suas cordas. Com a mão direita, tentava detê-lo... em vão ...  com a esquerda prosseguia batendo o toque de defunto no segundo sino. Foi neste dia que, em parceria com meu amigo bichano, produzimos a mais inusitada das sinfonias fúnebres jamais vistas e ouvidas em qualquer tempo ou lugar do planeta.
O sino dele, com seus movimentos bruscos e circulares, emitia sons travessos em alegres repiques que não condiziam de modo algum com o momento de tristeza que vivia a cidade. No segundo sino, no fundo destes sons alegres, eu marcava o compasso com as notas musicais pesadas emitidas pelo toque de defunto.
O cemitério ficava perto. Com um olho no gato que esperneava preso às cordas e o outro na necrópole, percebi que estávamos no momento exato da descida do corpo à sepultura. Então vislumbrei que a cerimônia fora interrompida. O zum-zum-zum do povo chegava aos meus ouvidos, abafados pelo barulho do bronze a badalar.
Só dei conta de mim, quando consegui enfim deter a fúria musical do ensandecido Sherlock. Logrei, então, soltá-lo de suas amarras e ele sumiu-se, escadas abaixo, na maior e mais desesperadas das velocidades que um felino pode alcançar.
 Neste instante, percebi que a torre se enchera de gente: o padre superior do seminário, um dos homens mais bravos que conheci. O frei disciplinador, colegas curiosos, uma pá de gente. O padre superior e o frei disciplinador, fora de si, gritavam:
 –Um absurdo! Um desrespeito inominável!Uma ofensa à memória daquela santa e venerável criatura! Ah! Meu Deus , meu Deus! Como a paróquia vai se explicar ao povo por tamanho vexame!!!
Senti o mundo despencar sobre minha cabeça. Se eu pudesse... se ela não estivesse tão longe, lá em Bom Despacho, eu clamaria por minha mãe e pularia no colo dela, à busca de proteção para meus apertos.
Ato contínuo, pegaram-me pelas orelhas, arrastando-me à sala do conselho, onde me deixaram de castigo à espera de futuras e duras penas a que, sem dúvida, eu seria submetido... Talvez até a temida e indesejada expulsão ...Passaram-se horas que me pareceram séculos. Eu pensava: ─Ah! Meu pai, o que será de mim!
Finalmente, já no ocaso do entardecer, a porta da sala se abriu. Quem entrou, acompanhando Frei João, foi o Padre José, o vigário... Ele era mais calmo, mais compassivo que o padre superior. Senti-me parcialmente aliviado. .
O padre José me passou severas repreensões, mas num tom manso e até misericordioso para com meu erro homérico. Ponderou-me o bom sacerdote que, pela gravidade daquilo que  acontecera, eu me tornara uma “persona non grata” ao seminário e à cidade. (Nesse momento, percebi que os olhos de Frei João lacrimejaram). Afinal eu, com a colaboração do Sherlock, fora o responsável pelos repiques festivos e ofensivos que, completamente inoportunos, soaram como uma comemoração à morte do sepultado defunto.
A igreja precisava dar uma satisfação à população e à ilustre família do finado e ao povo em geral que o respeitavam tanto. Assim seria de bom alvitre e aconselhável que eu fizesse minhas malas, pois, no dia seguinte, bem de manhã, seria transferido para o seminário da capital.
Quanto ao gato Sherlock, este seria definitivamente banido e proibido de freqüentar o seminário e de gozar da convivência dos alunos.
Na saída, o bom Padre José voltou-se e ainda brincou comigo: ─Agora, meu rapaz, como sineiro, você e o gato Sherlock considerem para sempre encerradas suas carreiras. Nesse assunto, vocês são dois desastres ambulantes.
Na manhã seguinte, estava na estação. Quando olho, quem estava ao meu lado? Ninguém mais que o gato Sherlock, meu companheiro de agruras e travessuras. Ele já ia entrando no trem, certamente para partir comigo e comigo se juntar em meu exílio. Fiquei até feliz com seu companheirismo. Mas aí aconteceu algo que me fez perder para sempre meu bravo amigo e colega sineiro. Nunca mais tornei a vê-lo. Neste momento, o sino da estação, secundado pelo sino da maria-fumaça, bateu anunciando a partida do trem. O pobre Sherlock, ainda traumatizado com as fatídicas badaladas do dia anterior, soltou um miado de agonia e pavor. Eriçou os pelos da cauda até os bigodes, e riscou no mundo, bem longe daquele som de sino, que na tarde anterior, nas torres da matriz de Manhumirim, marcaram nossas vidas e nos separaram para sempre.  

terça-feira, 10 de junho de 2014

Vaso quebrado

Autor: Carlos Costa

Creio no riso e nas lágrimas como antídotos contra o ódio e o terror. (Charles Chaplin)


À Luiz Eron Castro Ribeiro, advogado, e os médicos Élio Ferreira da Silva e Dante Luis Garcia Rivera, com os quais  sempre posso contar. Minha gratidão por serem meus amigos!


Meu vaso de rosas quebrou, mas com paciência, resignação e muita fé, recolho o resto dos cacos quebrados, do chão gélido de um centro de cirurgia, cheios de bactérias com as quais fui presenteado e vou reconstruindo com paciência, resignação e sabedoria a nova vida que me restou para viver, recuperando o que fora um dia um vaso e, novamente, depositar dentro dos restos que conseguir reconstruir para recolocar o perfume das rosas que cultivei no coração e entregá-lo a quem quiser recebê-lo, agora com cheiro ruim...! Meu vaso não era perfeito, mas ninguém é perfeito em seu todo. Contudo, desejo reconstruí-lo com o máximo de perfeição que Deus me permite fazê-lo. 

De origem pobre, pais agricultores e analfabetos funcionais, porém sérios, honrados e honestos, desde a adolescência, busquei construir um futuro melhor. Minhas sandálias havaianas percorreram ruas de paralelepípedos na Manaus de outrora perdida nas lembranças que nunca mais voltarão e meu frágil corpo sacudindo no banco traseiro do ônibus de madeira da Santa Luzia/Boca do Incoboca, toda vez que deixava de circular em pista de paralelepípedo e passava para a de barro batido, em frente a empresa Amapoli, onde minha mãe trabalhou, no Morro da Liberdade. Como meu amigo Luiz Eron, também consegui construir meu castelo de sonhos, mas tudo desmoronou em 2006 quando sofri a primeira de 11 cirurgias no cérebro para tratar de um empiema cerebral, deixando o hospital infectado por duas bactérias incuráveis. No início, me desesperei e tratei de recolher com paciência e sabedoria os cacos que me presentearam do vaso que guardava minhas rosas perfumadas e tive que recomeçar tudo de novo, passo a passo, um degrau por vez na subida porque sei que posso despencar também se pular algum degrau de minha nova escada.

Meu corpo físico de hoje não lembra em nada o menino que transportava caixa de picolé, tambor de cascalho nas costas, sempre maior do que eu era, vendia velas e flores em porta de cemitério no bairro do Morro da Liberdade, em frente a casa do Sr. Panta, parado e parando os fregueses com velas, fósforos na mão e, de quebra, uma caixa de fósforo de brinde, mas me orgulho de tudo o que fiz, só não da surra que levei de minha mãe Josefa Costa por querer superar meu irmão Roberto Costa, que também vendia picolé, ao retirar dinheiro do caixa da mercearia que a família possuía no bairro da Betânia, voltar mais cedo para casa, devolver o dinheiro que era de minha mãe, mesmo recebendo parabenizações por vender mais picolé e voltar mais cedo para casa do que meu irmão! 

O ônibus Santa Luzia/via Beco do Imboca, passava sempre em frente a Usina Triunfo, de propriedade do empresário Isaac Benayon Sabbá & Cia,  e beneficiava pau rosa, copaíba e sova, mesmo depois do início da Zona Franca de Manaus, .onde meu amigo Luiz Eron Castro Ribeiro, começou a trabalhar aos 14 anos, também na década de 70. Estava retornando para casa, sujo de tinta de jornal no calção e feliz por ter conseguido vendê-los todos. A empresa, Usina Triunfo, que expelia fumaça negra de sua chaminé ao fundo,  foi totalmente alagada pelas águas do Igarapé do 40 em 1976. Já se vão 40 anos decorridos em minhas lembranças e recordo tudo como se tivesse acontecido ontem. 

Também gostava de pegar essa linha de ônibus só para passar em frente a Usina e procurar inutilmente meu amigo do Colégio Durval Porto, onde estudamos, com os olhos que ainda não se escondiam por trás dos 7,5 graus de cegueira. Hoje a Usina Triunfo foi transformada em uma Escola, talvez para ensinar como não se deve agredir a natureza com fumaça negra ou branca e nem jogar lixo nos igarapés. Nada podia ver, além da parede branca da fábrica porque embora meus olhos ainda não se escondessem por detrás dos óculos, eu não tinha visão de Raio X. Que pena! Ficava só imaginando o que Eron pudesse fazer dentro da fábrica, enquanto voltava feliz de mais um dia de trabalho, com dinheiro no bolso que economizava moedas para depositar na Poupança Socilar, uma das primeiras a surgir em Manaus, além da CEF que já existia, mas não podia abrir poupança porque ainda não possuía documentos, além da minha carteira estudantil do colégio Dorval Porto. Sempre economizei porque parece que eu previa o que me ocorreria hoje, quando mal tenho dinheiro para viver; hoje conto com o dinheiro de minha esposa para pagar algumas pequenas despesas! Como já afirmou Charles Chaplin: “a vida é uma peça de teatro que não permite ensaios”. Eu não ensaiei. Vivi, trabalhei e estudei muito.

Hoje, mais maduro, experiente pelas besteiras e bobagens que fiz na vida, resignado, aceitei minha nova condição de vida, maduro sem os dois lados de meu crânio, que minha esposa insiste para que eu sempre saia com chapéu para não despertar curiosidade nas pessoas, que sempre perguntam: “isso foi acidente?”ou como uma garotinha na praça de alimentação do Manauara Shopping que, certa vez, em sua santa inocência, assim me perguntou: “por que tua cabeça está toda assim?” e eu tive que responder que tinha sido vítima de 11 cirurgias desde 2006, todas no cérebro e que passei a viver infectado por bactérias hospitalares, desde então. Também a ser como um inválido por muitos, pensador por alguns, escritor por outros e livre pensador por vários, sempre exigindo minha cidadania e reconstruindo com lembranças buscadas em lampejos de memória, o resto que ainda terei para viver. Meus sonhos e esperanças estão se esvaindo como o vento que sopra em meu rosto no calor úmido de minha cidade de Manaus.

Hoje, relembro isso com certo remorso, mas saudades também porque eu era feliz  ao chegar em casa e depois poder jogar bola na rua com meus colegas. Ah, que saudade!

Agora olho para trás e vejo que faria tudo de novo, sem tirar nem por nada. Faria igualzinho. Talvez, porém, não tivesse feito as cirurgias, mesmo desaconselhado pelo e amigo e médico Élio Ferreira da Silva, que queria mais diagnósticos e ia quase todos os dias no Hospital para ver-me inerte, autômato, olhando para a parede branca do hospital e me dava conselhos para que eu não operasse. Mas como não operar, se eu estava surdo? Sinto saudade das vozes de meus alunos perguntando assuntos de Serviço Social, que dominava e ainda domino com maestria, mas não tenho mais condições de voltar a fazer palestras como fazia antes. A última e primeira que fiz foi aceitando convite da professora Darcy Amorim, mas vi que não consigo mais me expressar como antes fazia com prazer e orgulho porque eu assumo que sou assistente social, apenas com meu vaso de rosas quebrado e reconstruindo de novo minha vida.

Como disse sabiamente o cineastra e filósofo Charles Chaplin “a vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termina sem aplausos”. Eu vivi a minha, não como gostaria, mas como eu precisava vivê-la e hoje recebo os aplausos pelo que escrevo, fazendo a alegria de muitos que me acompanham ao redor de 46 países! 

Autor: Carlos Costa - Manaus/AM

Texto: 20 (do concurso) - Entre a cruz e a caldeira

Dias difíceis. Era chegado o momento em que Alzira precisaria tomar uma difícil decisão, talvez uma das mais difíceis de sua vida. Emocionada, angustiada e muito confusa, agarrava-se à lembrança do dia em que bateram à sua porta e ofereceram-lhe aquele filhote – era uma linda cadelinha, de olhar doce e carente.
Passaram-se catorze anos desde que Killah fora acolhida na casa de Alzira, fora trazida por um vizinho. Ele contou-lhe que acabara de encontrar o filhote em um bueiro perto da linha férrea e estava acompanhado do menino Duda – sobrinho de Alzira – quem o ajudara no resgate e pedira a ele para que o ajudasse a convencer sua tia a adotá-la. Houve muita resistência pela adoção, pois não fazia muito tempo que o cão de estimação da família havia desaparecido, talvez tenha sido roubado. Todos sofreram muito pela perda, jurando não acolher em casa e nem se apegar mais a nenhum animal. E outro detalhe é que Duda estava apenas passando uma temporada na casa da sua tia, daí a pouco voltaria para sua casa, em outro país.  Entretanto, aquele olhar “pidão” do menino e também dos dois filhos de Alzira, além daquela expressão de abandono da cadelinha, acabaram por convencê-la. Assim adotou-se Killah, nome escolhido por Duda e prontamente aprovado por todos.
Os dias se tornaram mais divertidos para os meninos com a presença daquela cadelinha e até Alzira que resistira tanto, embora tentasse disfarçar, já se perdia de amores por ela. Um filhote dá muito trabalho, destrói coisas, faz um bocado de sujeiras em seu espaço e até certa idade, chora e requer muita atenção. Entretanto, não faltaram promessas por parte dos meninos, de que se responsabilizariam por todas essas coisas, desde os cuidados com a comida, com a higiene de Killah e do espaço que ela ocupasse. Ledo engano! Na verdade, só se responsabilizaram mesmo pelos bons momentos de brincadeiras e de dar a ela os primeiros treinamentos, comandos e essas coisas que se costuma ensinar aos cães. Assim Alzira a cada dia se sentia mais apegada e em contrapartida, ganhou uma verdadeira e fiel guardiã, na medida em que Killah crescia.
Dizem que cachorro não pensa, não fala, mas essas afirmações eram contestadas veementemente por Alzira, que não se cansava de contar aos outros que a sua cadela era diferente, especial e que elas conversavam e se entendiam muito bem. Dizia que ela entendia perfeitamente o “dialeto” canino. Como mera espectadora, eu mesma pude presenciar alguns momentos em que, entre palavras de Alzira e grunhidos de Killah, elas pareciam mesmo travar uma boa conversa.
Havia outros comportamentos bem interessantes, como por exemplo, no horário dos cochilos costumeiros de Alzira, após o almoço, a cadela deitava-se na soleira da porta do cômodo onde a sua dona descansava e ali permanecia até que ela se levantasse. Nenhum convite para brincadeiras com os meninos, a fazia sair dali. Assim que foi conhecendo toda a família, filhos, sobrinhos e outros, de sua dona, ela passou a comportar-se de uma maneira notável: quando chamavam à campainha, Killah era a primeira a se manifestar. Dirigia-se ao portão latindo braviamente e se percebia que era alguém da família, parava de latir e corria até o interior da casa, até encontrar Alzira, correndo de volta ao portão em repetidas vezes, como se quisesse avisá-la da chegada de alguém de casa. Quando se tratava de desconhecidos a bater à porta, ela não parava de latir e não se distanciava da entrada. Há uma coisa muito curiosa, ela não gostava de prestadores de serviços públicos, como agentes da companhia de luz, de água, correios, limpeza urbana, latia como fera quando percebia a presença deles. Era preciso atendê-los através da grade que cercava o jardim.  Alzira me disse que nunca entendeu bem esse comportamento, mas acreditava que de alguma forma ela queria dizer: “Nunca deixe estranhos entrar em sua casa, se eu não puder estar por perto.”.  Mas, sabe-se lá o que passava na cabeça dela. Ela impunha respeito aos de fora, mesmo sendo a cadela mais dócil que seus donos, familiares, ou amigos que recebiam em casa, conheceram.
Entre essas e outras tantas histórias que ouvi e poderia contar, passaram-se os catorze anos de vida de Killah e ela já não se parecia em nada mais com aquela respeitável guardiã da família e da casa. Não mais se manifestava aos chamados e já tinha enormes dificuldades para se movimentar. Foi aos poucos perdendo a visão e até mesmo o faro. Alimentava-se com dificuldade e em poucos dias teve as patas traseiras completamente paralisadas. Era preciso que os filhos de Alzira a levantassem e a segurassem, até mesmo para fazer as suas necessidades fisiológicas. Eles a levaram em veterinários, tentaram vários tratamentos, medicamentos e nada, a cada dia ela piorava, chegando o momento em que paralisaram também as patas dianteiras e aí foi um sofrimento só, ver aquela amiga e companheira naquele estado. Veio então o veterinário e explicou sobre o prognóstico da doença: em poucos dias paralisariam também os órgãos vitais e com isso viriam inúmeras outras consequências. Não havia cura e nenhum paliativo que pudesse dar-lhe alívio. Sugeriu então, que a melhor solução para evitar maiores sofrimentos para Killah, seria praticar a eutanásia.
Segundo contou-me Alzira, aquela sugestão caiu-lhes como uma bomba. Todos se desesperaram e a tristeza tomou conta da família. Era uma decisão crucial e ela se viu “entre a cruz e a caldeira”, pois seus princípios e valores e que os passava para sua família, eram contrários a tirar a vida de um ser vivo animal. Claro que era um momento de reavaliar tudo aquilo, mas esse foi um grande desafio. Chamou os filhos e perguntou a eles o que achavam a respeito dessa situação. De início, ambos se manifestaram contra a ideia de eutanásia e se propuseram a continuar cuidando dela até o fim e Alzira por sua vez, também relutava por essa medida drástica. Entretanto, dois dias após a última visita do veterinário, tudo que ele previra aconteceu, alguns órgãos pararam de funcionar, ela já não respondia mais aos toques de seus donos, não se alimentava e parecia desmaiada na maior parte do dia. Foi aí, que um dos filhos de Alzira a chamou e disse-lhe que não havia outro jeito, que ela providenciasse tudo, mas que havia uma condição: ele não deveria estar presente quando a levassem. A filha também teve a mesma reação.
E agora? – pensou Alzira – a responsabilidade é toda minha, mas o que fazer?
Pensou durante toda a noite e no dia seguinte, esperou que seu filho saísse para o trabalho e com uma tristeza enorme, decidiu-se: ligou para a clínica veterinária e acertou os detalhes. Para sua surpresa, a sua filha, ao ouvir o telefonema, disse-lhe que mudou de ideia e que elas mesmas levariam Killah até a clínica e que ela dispensasse o transporte que essa oferecia. Isso facilitou um pouco mais a tarefa. Embrulharam a cadela em um cobertor e a filha levou-a no colo, como se fosse um bebê.
Na clínica, as duas quiseram saber de todos os detalhes, se haveria sofrimento para Killah, quanto tempo demoraria, onde seria enterrada, etc. Assim que souberam que ela seria anestesiada antes da injeção letal, se sentiram mais aliviadas e fizeram questão de assistir a aplicação da anestesia, até o último olhar que Killah lhes lançara – um olhar, que Alzira me descreveu, como o mais doce que ela já vira antes e que talvez quisesse dizer, “obrigada por me evitarem mais sofrimentos, estou partindo feliz”. 
Saíram as duas daquela sala e aguardaram o procedimento final. Assim que o veterinário veio avisar-lhes que estava concluído, elas entraram novamente e se certificaram que Killah já não sofria mais. Não houve jeito de conter as lágrimas, mas elas saíram dali convictas de que aquele foi o melhor remédio.
Naquela casa todos se lembram de Killah com muito carinho. Ela lhes deixou uma de suas crias e que foi também acolhida no coração de todos, com alegria e muito amor. Fiquei pensando na dedicação, no sofrimento dessa família e avaliando a força, a natureza do amor que um animal de estimação desperta nos humanos. E eu que nunca cogitei em ter um animal em casa, acabo de adotar uma cadelinha. Seu nome? Killah.